Desajeitados.

    - Esse sou eu, desajeitado, te dando um abraço... Ah! acho que eu não tenho jeito com isso. Mesmo depois de tanto tempo, nunca sei como te encaixar nos meus braços. E você tem esses ossinhos aí nas costas, eles me incomodam.
    "Pare, já te falei que são os ganchinhos das asas". E eu ri baixo. Ri o riso leve que, sem esforço algum, ele conseguia tirar de mim. Puxei a franja que caía sobre os olhos e prendi o cabelo num coque frouxo. Eu queria poder acreditar que estava bonita, queria ter me preparado para a visita - mas ele era assim: inesperado. Vinha sempre sem avisar, e ainda assim chegava no momento certo. Mas eu já estava de pijama, com os olhos inchados de tanto chorar - e ainda mais chamativos e estranhos porque resolvi contorná-los de rosa. Mas essa sou eu, que mesmo odiando abraços jamais fugiria de um que viesse de você, pensei, numa risada sem graça.
    "É assim ó: levanta o braço esquerdo e passa por trás do meu pescoço. O direito você põe na minha cintura. Viu? Agora nossos corações estão próximos. Isso é um abraço."
    Ele me apertou contra seu corpo. Senti o seu perfume. Segurei o ar por alguns segundos.
    - Pra quem não gosta de abraços, você até que abraça muito bem, minha anjinha sem asas. - ele falou e riu. As asas coçaram nas costas, querendo se abrir, querendo voar, querendo existir... e eu pensei no quanto gostava desse cargo.
    Nossos olhos se encontraram e ficamos assim, brincando de fazer silêncio. Com ele, o silêncio nunca foi um problema. E falava tanto, tanto... Mas aí, como se todo o tempo tivesse parado e passado de uma vez só, me dei conta de onde e com quem estava. Pisquei algumas vezes, soltei os braços. Ele se afastou, receoso.
    "Desculpe. - eu disse - Eu gosto de você, menino. Quero vê-lo bem. Mas preciso ir".
    Ele sorriu: - Nós sempre precisamos ir.
    Ele virou as costas e se foi, sem se despedir, como sempre fazia. No primeiro muro que encontrou, ele abriu uma porta e entrou, como sempre fazia E eu tinha certeza de que ele também estava sorrindo. Não houve adeus, ou até logo. Mas eu sabia que em breve nos encontraríamos de novo. Abri as asas e fui para casa, deixando no caminho uma única lágrima de saudade. Ao olhar para trás, não a encontrei, mas posso jurar que agora se parece com uma estrela.
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