Abrigo

Isso não é sobre você. Há tempos que não pensava em te escrever, embora ainda pense no seu rosto, nos seus gostos, e faça suposições sobre a pessoa que agora você se tornou. Mas a vida real urgia e eu precisava atender aos seus chamados; por isso você foi ficando mais como nostalgia do que como lembrança. Gosto de pensar que você é um espaço mental: um amontoado de histórias, risos e amores que eu sei que já morreram mas que nem por isso deixaram de existir. E é pra você que eu corro quando a vida me sufoca ou me machuca. É em você que eu me protejo do mundo, pra onde eu fujo e me escondo até poder me reorganizar. E volto mais forte e preparada pra lidar com o que aparecer - essa é a mais valiosa habilidade entre todas as que você me ensinou. Nunca são grandes dificuldades. Você sabe, talvez melhor do que qualquer outro, que eu sou muito suscetível à dor, que me machuco e fico roxa com facilidade, e que, na vida toda, nunca aprendi a sofrer de verdade. Posso contar nos dedos de uma única mão os grandes sofrimentos - dois lutos, duas decepções. Mas você também conhece minha tendência ao drama -- é ela quem mantém, mesmo inconstante, esses escritos. Mas isso não é sobre drama. Também não é sobre você. É sobre mim tentando me refugiar em uma memória, pra dela retirar algum resquício de amor pra continuar vivendo. O chamado do real não me agrada e me leva a responsabilidades que, por hora, eu não quero assumir. E eu fujo até você, que é o abrigo de ilusões e de expectativas fantasiosas mais útil possível para me esconder de mim. Não aprendi a crescer.

Organize-se.

Desde que aprendi a escrever, gosto de manter agendas e diários onde posso anotar meus “compromissos” e recordações. Eles me organizam, não deixam eu me perder ou esquecer. Por causa deles, consigo manter a vida em um tipo de organização.
E transfiro isso pra toda a minha vida: arrumo as roupas por cores, e com elas organizo meus pensamentos por sentimento e ordem de importância. Azul para os dias melancólicos, cinza para os dias chuvosos, vermelho pra eu não me esquecer de sentir saudade. Tiro algumas peças, demonstrando para o mundo que não vou guardar no guarda-roupa e na vida aquilo que não me serve mais.
Sapatos, assim como amigos, tenho só alguns – que é pra nenhum deles duvidar da sua importância e necessidade. Uso até ficar gasto e não abro mão nunca. Desde adolescente conservo a ideia de que, quanto mais surrado o all star, mais histórias ele carrega e mais confortável ele se torna.
O quarto está sempre limpo, a cama arrumada. Exceto quando ELE vem e bagunça tudo. Aí eu rio, jogo o colchão no chão e deixo tudo no caos até a manhã seguinte. Um rompante de paixão e desordem... perfeitamente ordenados com tudo o que existe aqui. O espaço estava arrumado, esperando para recebê-LO, torcendo para que ele não vá embora tão depressa.
O universo de fora organiza o universo de dentro, e vice-versa.
E na sua bagunça, ele se encaixa na minha ordem, e me organiza, e me cativa, e me reinventa. Jogo fora outras peças de roupa para que ELE tenha mais espaço pra ficar. Esquece uma camisa aqui, vai. Coincidentemente tem um lugarzinho ali, um espaço que você tem toda a liberdade pra preencher. Fica um pouquinho. Arrumei tudo antes de você chegar.

Um professor uma vez me disse que, quando passamos por um período de mudança (seja pelo término de namoro, pelo final de alguma fase, o fim do curso, a despedida, a saída do emprego), a primeira coisa que se deve organizar é o seu quarto. A partir dele é que se organizam os pensamentos.

Agora.

Não é ciúme, não. Hoje eu tenho você aqui, e amanhã pode ser que não... mas ainda assim não existe medo algum de te ver ir embora. Não é como se isso desvalorizasse o que sinto ou diminuísse o meu carinho. É só que eu te gosto tanto, e te quero tanto bem, que não me preocupo se o teu bem não me quiser aqui. Se precisar, eu vou. Só promete pra mim que só vamos ficar enquanto tivermos vontade. Você tem toda a liberdade para ser feliz - ao meu lado, sozinho, ou ao lado de outro alguém.
Não tem ciúme, não. Porque eu sei que esse minuto pode ser o último, embora eu não queira que seja, e porque eu prefiro passar esse minuto te beijando do que me preocupando com aquela menina que, nos meus pensamentos mais paranoicos, não para de olhar pra você. É comigo que você está agora, e é só agora que importa pra mim.
Amanhã a gente vê depois.

Não é ciúme, não. Só é uma pena você ficar chateado pensando que sou eu que não me importo. Mas eu me importo, sim. Eu me importo e vejo tudo o que acontece. E me importo muito, porque te quero ainda mais e tenho urgência nesse meu querer. Te quero agora, e não dá tempo de perder tempo pensando em quem falou, mexeu ou perguntou por você.
Não tem ciúme, não. Mas é uma pena que não entendam, que gostem de jogar, de provocar, de falar achando que podem me atingir. Ironia ou não, quem mais tentou te prender só conseguiu te afastar. E quem te deixa partir, é quem você quer conservar. Você acha mesmo que eu preciso me preocupar? Só entenda que, agora, você está aqui e eu também.
Nos outros a gente pensa depois.


Meio sem sentido, eu sei... Mas faz parte do processo de entender que ciúme não é bom, não valida o gostar. Você não é meu, e eu não quero que seja. Te quero livre. Te ouvir contar que alguém te quer, ao contrário de me chatear, me enche de orgulho por saber que, entre todos, você escolheu ficar. É isso o que somos: uma escolha, um agora. Uma pena que os outros não entendam assim, uma pena que só queiram provocar, que não queiram se aproximar e perceber que aqui não tem ciúme, não. Aqui tem um gostar puro, intenso, e muito bonito - que eu poderia dividir com elas (tão bobinhas!), caso me perguntassem porque, entre tantas que tentaram te prender, foi eu que, sem querer, consegui te namorar. Se pensar bem, quem perde são elas, não eu. Eu já estou ganhando, e faz tempo: ganhei você [e já faz bastante tempo], e pretendo continuar assim, colecionando vitórias, sorrisos e cafés na cama - agora, estou muito mais do que satisfeita por ter escolhido dividir minha liberdade com você.

Explicações

Porque muito antes de sermos namorados, éramos amigos.
Porque muito antes de sequer pensarmos em ficar juntos, quando isso nunca nos pareceu uma possibilidade, já dividíamos bons momentos, boas conversas e muitas risadas.
Talvez fosse inevitável.
Talvez fosse uma questão de "bar certo com a pessoa certa".
Eu não sei.
Sei que os bares estavam lá, e que você estava lá também. Sempre.
Mas eu nunca tinha reparado em você. Nunca pensei. Sempre houveram outras pessoas, outros bares, outros lugares, outras coisas a se fazer, sentimentos para sentir, desculpas para dar.
Estávamos lá, mas ao mesmo tempo cada um vivia por si.
Você me contava suas histórias, suas aventuras. Eu ria. Eu contava as minhas histórias, minhas aventuras. Você dormia. E assim seguíamos nas madrugadas, nos congressos, nas viagens, nos estudos. Escrevíamos nossas histórias e nossas aventuras. E a gente vivia.
Mas a partir do momento em que reparei em você, e você em mim, essa era a nossa única possibilidade.
Dizem que quando a gente faz uma escolha, os outros caminhos deixam de existir, porque não é sobre esses caminhos que se cria a história.
A história agora é nossa, e não há outro caminho que não seja o nosso.

Podem falar o que quiserem, podem nos encher de perguntas, podem se intrometer, fazer suposições, falar mal de mim pra você e de você pra mim. Podem dizer que você vai me fazer sofrer, ou que eu não mereço você. Podem especular sobre os dias, os horários, os lugares.
Eles nunca estiverem lá para saber.
E eles nunca estarão aqui pra entender.

Só nós dois estivemos aqui desde o começo, dividindo cada violada universitária, cada crônica sobre relacionamentos, cada sofrimento e drama do dia-a-dia. Dividimos os rolês, os amigos, as histórias. E só nós sabemos o quanto merecemos cada momento bom que construímos - porque se estamos aqui, foi por nosso mérito e esforço, foi porque sempre caminhos juntos, porque nos esforçamos, porque sonhamos os mesmos sonhos, dividimos dores, sorrisos e ambições.
Você é meu de um jeito que nunca achei poder ter alguém.
Eu sou sua de um jeito que nunca imaginei ser de alguém.
De um jeito fluído, natural.
Misturando nossas diferenças, somando nossas semelhanças, dividindo um com o outro as nossas vidas. E todas as nossas alegrias e os nossos sonhos parecem ser apenas a comprovação de que não poderia ser melhor, não poderia ser outra pessoa.
Tinha que ser você.
E tinha que ser agora.

Independente do que os outros falem. Nós temos nossas datas, nossas vidas, nossas experiências e nossas explicações.
E nós temos um ao outro.
Obrigada por todos esses sonhos, e obrigada por ser real.

O começo

Esse é só o começo. Se o nosso sentimento caminha em dois sentidos, se eu digo que vejo nos seus olhos a luta constante entre ir e ficar, acho que, por agora, estamos dando mais ênfase ao permanecer. No fundo a gente sabe: isso tudo é só o começo. Você veio pra ser o último, veio porque eu estava esperando você. Não vou te pedir pra prometer, o caminho de dois sentidos está sempre aberto e você tem toda a liberdade pra ir, voltar, ficar, fugir. Mas te peço uma escolha, e peço para que, independente do que você decidir, você cumpra até o fim. Nós dois sabemos que, do nosso jeito, isso já é perfeito. A gente nunca sabe o que quer, e o não sei parece sempre escolher por nós – mas acho que, até hoje, não erramos nas poucas coisas que soubemos escolher. Você é tudo o que eu quero, porque você é intenso e verdadeiro... divide comigo a sua cama, a mesma porção de batatas, a rotina, o domingo inteiro. No fundo a gente sabe: pra tudo na vida é preciso apenas vontade.
Desde o começo você sabia que não tinha como não se apaixonar pelo meu sorriso. Desde o começo eu sabia que, se te beijasse de volta, não teria como voltar atrás. A gente estava juntos desde o começo, e depois, e o começo é de novo agora e parece que vai ser assim até o final. Estamos sempre começando.
Poderíamos ser só amigos, se tudo o que eu desejasse pela manhã não fosse você, se eu não tivesse te dado o meu corpo e todos os meus sonhos, se eu não fosse a calma e você a tempestade, se eu não fosse a ordem e você o caos. Você chegou, bagunçou tudo, me falou tanto sobre sentimento, sobre frustrações, sobre meu nome nos seus sonhos e nas suas terapias. Depois disso, falar sobre ser só amigos me pareceu pequeno demais. Acho que no fundo eu só agradeço aos pequenos gigantes que nos uniram.

Desde o começo a gente sempre preferiu ficar acordados, sermos os últimos a ir embora, os últimos a ir dormir... Porque na nossa vida, a realidade parece ser melhor do que o sonho. E o melhor de tudo é que, na nossa vida, isso é apenas o começo.

Materializando ideias

Era hora do almoço, mas tive que abandonar meu suculento bife acebolado quando uma ideia meio louca irrompeu a mente. Quem escreve sabe que as ideias precisam ser rapidamente passadas para o papel, sob risco de serem perdidas. As palavras gostam de calar quando precisamos delas, e algumas ideias jamais podem se perder, porque podem cair nas cabeças de outras pessoas.
O Marco sempre me diz, nos corredores da faculdade, que as boas ideias parecem nuvens flutuando por aí, em uma frequência muito específica que poucos podem captar. Por isso, se você sintoniza uma boa frequência, anote, salve-a. Na mente, no HD, no coração, na sensação.
O Will também gosta de falar sobre frequência: nas palestras motivacionais, ele diz que emitimos energia, e que a recebemos na mesma frequência com a qual a enviamos, positiva ou negativa. Todas as coisas nas quais depositamos nossas crenças deixam de ser neutras e passam a ter carga, sentimento.

Talvez você esteja neutro e fique se perguntando onde é que eu estou querendo chegar com tudo isso.
Eu também não sei. O bife esfriou, a comida não está mais na mesa, e, aparentemente, a ideia não está mais na cabeça. Me perdi na introdução do texto. Mas o que não perdi foi a vontade de escrever.
Ando numa boa fase, sabe?!
Achei uma frequência interessante e é ela quem está embalando meus passos.
Os sonhos estão tomando forma, consistência. As palavras, antes perdidas, ganharam corpo e se tornaram contrato. Foram planos, reuniões, parcerias, decisões. Três mãos que assinaram a instituição de um sonho comum. E logo depois, duas mentes que trabalharam na construção de uma mesma ambição. Sonhos que se sonham junto viram realidade.

Mas é preciso dar uma pausa nos sonhos bons. Manter o foco; porque não foi para falar das novas alegrias que eu me sentei aqui. Um pouco de pessimismo nesta xícara, por favor, porque agora eu vou fazer de conta que me chateei.
Ainda é hora do almoço, enganei a fome com café, e o bife antes suculento eu engoli meio a contragosto.
Ontem escrevi sobre fidelidade, contei um caso aleatório qualquer. Vocês ficariam surpresos de saber que a história relatada não tinha elementos reais. Gaiman costuma dizer que qualquer história que retrata a realidade é assim: fictícia do começo ao fim. E hoje abri meu email e havia um comentário dela - anônimo, sem noção. Ela me acusa de falar dela, de contar sua história.
Vibrei de alegria por saber que, magicamente, um elemento da minha imaginação, um personagem criado por mim, ganhou vida e se manifestou. Imagine se todos os meus outros exemplos resolvem se materializar? Se todas as pessoas e todas as relações sobre as quais eu já falei e publiquei, resolvem me escrever? Poderia povoar um mundo inteiro. Mas gostaria que eles me avisassem, para que eu pudesse mudar alguns elementos nas suas trajetórias. No fundo, vivo uma certa frustração: com tantos bons escritores por aí, com tantos bons personagens, porque o universo deu vida justo a minha pior criação? Pesadelos, mesmo sozinhos, podem virar realidade também.
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