Coisas.

Cedo, caí da cama com o cobertor.
Calcei as calças e os calçados,
Coloquei creme nos cachos dos cabelos castanhos
Contornei as curvas do corpo com um corpete.
Corri no corredor, em casa, e quase comi o café. Que coisa!
Ah, comi o cigarro e o café. Que cabeça!
E que calor, que crise. Cadê o café?
Tem coca-cola, comida, cadeiras, chamadas,
Tem crase e tem computador,
Numa cadeia de corredores, corretores, compras, contas,
Conspirações e correrias. E que correria!
É coisa da crise esse carteiro carente, da carta contente e covarde
Que quase me convence a chorar
E me corrói o coração com casos de ciúme comoventes.
Que chato. Corro. Que calor.
Tem cigarro e café, com cinco comprimidos pra cabeça.
As coisas conspiram comigo, complicadas.
Que coisas? Cigarros, café, coisas colocadas em cima da cama.
O copo que cai no chão, quebra em cacos, é claro.
O coração que cai de cara, quebra em cacos, no caso.
Me comovo e choro. Credo.
Quero cartas, quero cigarros e copos de café.
Corro, com o coração caçado, comido.
Me calo. Que conspiração complicada.
‘Cabou o café.

É coisa da crise, é coisa do caos, é coisa de crer. Que coisa!

“SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA...”


  Quando minha avó materna começou a demonstrar os primeiros sintomas de Alzheimer, eu não imaginei que, ao longo do tempo, ela [re]viveria tantas histórias. Perdi meu bisavô paterno em 2010, devido à degeneração causada por essa mesma doença, aos 86 anos (embora ele dissesse que só tinha 75), depois de pouco mais de três anos de perdas graduais na memória e em outras funções psicológicas como percepção e atenção. No começo, era engraçado: ele contava histórias, inventava histórias, misturava histórias... Depois, contou, misturou e errou nomes... até esquecê-los. Com o tempo, parou de comer e de beber, achava que todos o estavam perseguindo, e aos poucos foi se fechando no Mundo de Memórias falhas que ele mesmo criou. Eu, como [quase] psicóloga, sempre achei que esse poderia ser o pior fim para uma pessoa: morrer pelo esquecimento, todos os dias, pouco a pouco. Morrer pela mente.
  Hoje eu sei que, conforme envelhecer, minha mente se definhará também. Justo eu, que tanto me gabo da boa memória que tenho...! Isso me entristece. Mas novas e velhas histórias surgiram, através dos devaneios da minha avó (que agora já está no segundo ano da doença e mesmo assim parece cada dia mais forte fisicamente) e por receber em casa a visita (talvez permanente) do meu avô paterno... e eu finalmente resolvi escrevê-las.
  Bem-vindos ao MUSEU DE MEMÓRIAS MORTAS, um lugar que desafia o tempo e o espaço, lugar onde presente passado e futuro se misturam e se distanciam a cada minuto, e se renovam, se repetem, se revivem, e se acabam... mesmo que talvez nem existam.

Um universo e um pouco da falta de sentido

Bem-vindo à um universo (criado por mim) um tanto quanto confuso e sem sentido: o meu. Embora eu realmente não goste desse fato, preenchi meu universo com inúmeros paradoxos e ambiguidades. Nem eu mesma consigo entender.
Há um conflito interno, até cômico, e eu quase poderia diagnosticar um desejo existindo ali. Ao mesmo tempo em que há o impulso para ir, para ser e fazer... há sempre uma dúvida, uma aparente racionalidade segurando as cordas antes do salto. E sempre há pulsão, Desejo.... e há também Delírio, Sonho, Desespero... Há tanto de Perpétuo em cada um de nós. E o ego, ah! o ego... é sempre o mais prejudicado nessa relação maluca entre Id e Superego, e talvez nunca consiga estabelecer um princípio de realidade.
Mas pelo menos eu não direi que falta Ordem. Pelo contrário. Até o Caos parece estar organizado... se isso for, de fato, possível. É uma questão de princípios. Tudo segue um padrão, uma ordem, e, quando tudo se desorganiza, apenas muda de lugar mas mantém uma lógica quase ordenada. Isso faz algum sentido?

As vezes a mão que segura a caneta perde a força e depois adormece. Alguns segundos depois, começa a dor, mas eu ainda me obrigo a escrever. Gosto de eternizar pensamentos em palavras escritas. [E as vezes a mão que arranha as costas dele perde a força, e depois adormece. Alguns segundos depois, me obrigo a sorrir, com os olhos marejados e o coração batendo rápido demais. Gosto de eternizar momentos em sentimentos bonitos.]

E as vezes (quase sempre) eu só quero dormir, com essa mesma mão - que dói, escreve, arranha e sente - em baixo do travesseiro, segurando o celular e acariciando, sonolentamente, meu anel de pedra da estrela.
Eu sempre gostei de estrelas. E hoje o céu estrelado está especialmente bonito... Ele sempre está bonito quando eu me sinto triste, como se a tristeza em si, mesmo triste, já não fosse bonita. [Eu gosto de pensar sobre a Tristeza. Também gosto de pensar sobre o céu.]
Um céu bonito e uma madrugada triste... E voltamos àqueles paradoxos de que falei no começo desse texto confuso: o meu universo, criado por mim, e que, aparentemente, não faz nenhum sentido.

E eu aqui, pensando na vida, no universo, pensando nele, procurando estrelas num céu noturno e molhado. A chuva cai e distorce tudo. E eu torço para que esse texto, de alguma forma, faça algum sentido.
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