Uma rosa amarela...

   Nunca me interessei por aulas de biologia; lembro de acumular inúmeras faltas, de só me lembrar do conteúdo estudado durante as avaliações, e de esquecer tudo no minuto seguinte à prova. E lembro que eu nunca achei que essa matéria iria ser útil algum dia (até entrar na faculdade e descobrir que em Psicologia se estuda o cérebro e a genética). Mas, caso eu me interesse por algum biólogo (ou pelo jardineiro, sei lá), acho que é preciso explicar-lhe algumas coisas.
   De todas as flores conhecidas, as rosas são as mais comuns: mais utilizadas em casamentos, congratulações, para festejar a saúde e as conquistas, formaturas, e em várias outras datas "especiais". E definitivamente são as preferidas dos apaixonados, porque, como ocorre com inúmeros elementos e objetos (naturais ou não) com os quais o homem se relaciona, as rosas carregam um simbolismo especial. Assim, de acordo com cada cor, essa flor adquire novos significados e intenções.
   Rosas são flores, da família Rosaceae, e do reino Plantae. Tem espinhos, conhecidos como acúleos, e poucas folhas, singelas. Nascem isoladas, tem poucas pétalas (sete, geralmente), vários estames, um ovário inferior, e seus frutos são pequenos e comíveis (pesquisei no google, você sabe...). Simbolicamente, carregam inúmeras interpretações e mistérios.
    A rosa amarela, assim como tantas outras, foi criadas a partir de experiências genéticas, que permitiram não apenas novas cores, mas também um perfume mais intenso. Isso significa que, embora as rosas já existam há milhares de anos, essa rosa amarela (tão linda!) precisou ser criada e cultivada por alguém até chegar às nossas mãos.
   Diz-se que a rosa amarela simboliza a paixão, a afinidade e a fidelidade. Alguns dizem que ela indica a busca por confiança, mesmo levada pelo ciúme. Mas, especialmente, que significa AMOR, respeito, alegria, AMIZADE e desejo. O que, mesmo ajeitando direito, parece uma combinação um tanto quanto perigosa, e até maliciosa... mas, a meu ver, ideal.

    Quando dei aquela rosa, pensei estar contrariando as convenções que dizem que são os namorados apaixonados (ou arrependidos - como hoje, depois de algumas discussões) que dão flores para suas namoradas, e não o contrário. Aí me lembrei do quanto nós éramos um casal anormal, especialmente quanto a essa divisão de papeis, e achei completamente adequado. E, quando dei aquela rosa, pensei em quantos significados ela poderia adquirir.

   Eu sai de uma festa para poder entregá-la. Porque, apesar de tudo, você era o único lugar no qual eu gostaria de estar. "Lugar?" você vai se perguntar, e eu vou rir, toda boba, e dizer que você é, sim, o MEU lugar. E não teime comigo; você sabe que eu sempre tenho razão, e que sou teimosa o suficiente para insistir nisso.
   Pensei também no perfume intenso, que gruda na minha pele e me faz, depois de um abraço, lembrar de você o resto do dia. Ou do perfume que eu sinto na nuca, misturado ao arrepio da sua barba, que embala meu sono e meus sonhos em algumas noites. Ou o fato de ser uma rosa cultivada, assim como nosso amor é, dia após dia.
   E depois eu pensei que havia dado algo, mas que não havia explicado tudo o que isso significava. E os dias passaram até que eu achasse inspiração [e um momento pertinente, já que estávamos falando sobre comemoração] Então vou explicar: dar uma flor significa entregar com ela um pouco de sentimento. E, no meu caso, dar essa rosa significou dar um pouquinho de mim.
   Para finalizar, ou para "plantar" em NÓS um novo começo e infinitos sonhos e amanhãs, quero te dar, junto com a rosa, o meu AMOR, meu respeito, minhas alegrias, algumas conquistas, uma boa porção de AMIZADE (na qual eu incluo, sutilmente, a confiança e a afinidade, a completude) , e todo o meu desejo. Coisas que eu desejo a você, com amor, que espero que se concretizem, e que floresçam.

Deuses Americanos.

   Nenhum homem, proclamou Donne, é uma ilha, e ele estava errado. Se nós não fôssemos ilhas, estaríamos perdidos, afogados nas tragédias dos outros. Nós nos isolamos (uma palavra que significa, literalmente, lembre-se, ser transformado em ilha) da tragédia dos outros por nossa natureza de ilha, e pelo desenho e pela forma repetitiva das histórias. O desenho não muda: havia um ser humano que nasceu, cresceu e então, por causa de uma coisa ou de outra, morreu. Pronto. É possível preencher as lacunas com base em sua própria experiência. Tão sem originalidade como qualquer outro conto, tão único como qualquer outra vida. Vidas são flocos de neve, formando figuras que já vimos antes, tão parecidos uns com os outros quanto as ervilhas de uma vagem (e você já olhou para as ervilhas de uma vagem? Eu quero dizer, olhou mesmo para elas? Depois de um minuto de exame atento, não há chance de você confundir uma com a outra), mas, ainda assim, única.
   Sem indivíduos, enxergamos apenas números: mil mortos, cem mil mortos, "o número de vítimas pode chegar a um milhão". Com histórias individuais, as estatísticas se transformam em pessoas - mas até isso é mentira, porque as pessoas continuam a sofrer em números que, por si só, são entorpecentes e sem sentido. Olhe, veja a barriga inchada do menino e as moscas que andam no canto dos olhos dele. seus membros esqueléticos: vai ajudar se você souber seu nome, idade, sonhos e medos? Se enxergá-lo por dentro? E, se ajudar, será que não estaremos prestando um desserviço à irmã dele, que está ali ao lado, estirada na poeira abrasadora, uma caricatura distorcida e inchada de uma criança humana? E daí, se lamentarmos por essas duas crianças, será que elas agora passarão a ser mais importantes para nós do que as milhares de outras crianças atingidas pela mesma forme, milhares de outras vidas jovens e contorcidas que logo se transformarão em alimento para as moscas?
   Nós desenhamos nossos limites ao redor desses momentos de dor... continuamos em nossas ilhas, e eles não podem nos ferir. Ficam escondidos sob uma cobertura mascarada, suave e segura para que escorreguem, como as ervilhas, de nossas almas sem que sintamos dor verdadeira.
   A ficção nos permite deslizar para dentro dessas outras cabeças, para esses outros lugares, e olhar através de outros olhos. Então, no conto, paramos antes de morrer, ou morremos de forma indireta ou sem prejuízo, e, no mundo além do conto, viramos a página ou fechamos o livro e terminamos de viver nossa vida.
   Uma vida que, como qualquer outra, é diferente de todas.

GAIMAN, Neil. Deuses Americanos. 3.ed. São Paulo: Conrad Editora, 2011. p. 244-245.

2012: "E as vezes, quando sonhava, eu me lembrava de como voar".

Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio. [...] "Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta" (Camilie Claudel a Rodín, 1886). [...] Do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei. [...] Para o seu próprio bem, guarde este recado: alguma coisa sempre falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo (Caio Fernando Abreu. O Estado de S. Paulo, 3/4/1994).
  Os anos de número par geralmente não são bons, foi o que eu expliquei para ele, dizendo o quanto esse ano poderia ser frustrante. E assim os dias passaram e o ano foi se tornando mais lento, e cansativo. Por que as coisas simplesmente não podiam se manter em "ordem"? E, de alguma forma que eu ainda não aprendi a explicar, nada mais parecia seguir aquela velha lógica; tudo parecia fora do lugar, e algo ainda faltava. Algo sempre falta. E, dia após dia, algumas coisas foram incomodando ainda mais.
  Meu pai sempre diz que, quando você conhece o que há de melhor, não há mais motivos para querer algo menor do que isso. Nós sempre buscamos (ou ao menos deveríamos buscar) a EXCELÊNCIA.
  Foi um ano de muitos planos e muitas mudanças. Talvez eu só estivesse procurando, de novo, um lugar pra me encaixar, já que eu sabia (ou achava que sabia) que, de alguma forma, meus antigos caminhos precisavam ser deixados para trás. Era hora de mudar.

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