Personagens da própria história

   Só sei que sinto falta de algo que nunca vivi, mas viverei - ou escreverei. E será como se tivesse vivido.
   As palavras têm o poder de criar tanta coisa, e podem trazer uma beleza inexistente para qualquer história. Eu te criei com palavras, mas, enquanto escrevia, coloquei sentimentos tão reais que você acabou se tornando real para mim também.
   Talvez todos os escritores já tenham se apaixonado por algum de seus personagens. Mas meu personagem tem vida. Tanta vida que a dividiu comigo para que eu pudesse escrever sobre ele. Talvez ele até exista.
   Por vezes me sinto um personagem também. Por todas as vezes nas quais ele brinca, me enrola, e me faz achar que na verdade é ele quem segura a caneta e escreve essa HISTÓRIA.
A história de uma vida; das nossas vidas. A nossa história.
   No papel, diferente da vida real, o tempo não corre. Presente, passado e futuro se misturam, porque são palavras; e palavras se ordenam de acordo com a mão do escritor.
   E, diferente da vida real, qualquer detalhe pode ser modificado. Tudo e nada são importantes, porque as palavras precisam estar juntas para fazer sentido. É assim na vida também: algumas coisas precisam estar juntas para fazerem sentido. É assim com nós dois. Justos temos sentido, mas se estivéssemos separados, eu nem poderia escrever essa história.
   Mas nossa história, nas minhas mãos doloridas por escrever, tem a forma que eu resolvi lhe dar. Trechos podem ser apagados, inventados ou reescritos. A história ganha vida, porque nossas vidas - juntas - ganham significado.

O preço a se pagar por aprender

As unhas pareciam nunca mais crescer, e os olhos pareciam mais cansados - mesmo que, em alguns dias, isso fosse quase imperceptível. Será esse o preço a se pagar por aprender? Ela não chamava de envelhecimento - embora sempre dissesse, entre risos, que estava mesmo ficando velha. Para ela, era só uma viagem, e ela já havia feito outras viagens antes e sabia como tinha que ser. Agora se sentia na maior de todas elas: o mundo real.
O que lhe preocupava não era a vida, e muito menos a morte. Era a realidade. Isso lhe dava um medo imenso. E uma ansiedade ainda maior por viver. Ela sempre quis poder sentir, absorver o máximo possível de experiências e sensações.
Vezenquando sentia ainda arder suas costas [no lugar onde estiveram suas asas], "E AS VEZES, QUANDO SONHAVA, ELA SE LEMBRAVA DE COMO VOAR" (Sandman). Sorria, saudosa, e pensava que, apesar de tudo, estava feliz ali. Não podia ter escolhido um caminho melhor, embora as asas ainda fizessem falta. Ela sabia que elas sempre fariam parte dela, e que ela inteira fazia parte dessa realidade agora - mesmo que as vezes tudo se parecesse como um sonho.

[CONTINUA]

As cores

   Uma pirâmide cinza numa espécie de fortaleza parece se erguer. Os olhos, bem delineados em preto, evidenciam a íris cor-de-mel. A pele clara, dentes brancos e os lábios levemente rosados escondem um sorriso sem graça... A lapiseira, roxa, dança sobre o papel escrevendo uma infinidade colorida de mundos e sonhos. Em horas como essa é uma pena não saber desenhar... Ao olhar para a imensidão azul escura do céu e contar os inúmeros pontos dourados de luz, volta-me o sorriso amarelo e a imagem daquela triste pirâmide cinza - uma espécie de fortaleza sem vida, erguida dentro de um vermelho e partido coração. E, perdida em pensamentos, ao tentar pintar toda uma vida, por fim percebo o quanto me distraí.    Nunca soube desenhar, nem acho que eu saiba de fato escrever, mas o que sempre me frustra - seja colorindo gravuras ou rabiscando palavras, é que eu nunca soube qual a cor e a dimensão de uma lágrima.

Sonhei com você.

Ela suspirou: ai, como eu queria um cigarro.
Ele olhou triste: você tinha dito que ia parar de fumar.
- E eu vou. Eu só queria ter algo nas mãos agora.
- Você tem.
- Eu?
Ele baixou o olhar: Eu.
Ela sorriu triste mas não respondeu, embora seu pensamento fosse apenas um: mesmo que ela nunca fosse admitir, ela queria muito que ele fosse seu novo vício.
-
     Sonhei com você e passei o dia todo pensando a respeito. Quis te ligar, pedir pra que viesse me fazer sorrir. Queria o seu abraço... Mas não. Desliguei o telefone antes mesmo de ouvir o sinal. Não quis dar o braço a torcer. Vou dormir sozinha, mas vou dormir. Nem me atrevo a te esperar.
     Dormi pensando em você. Acordei apalpando um vazio ao meu lado na cama.
     Peguei uma xícara de café e saí para fumar. Ocupei as duas mãos, mas ainda queria ter a sua mão pra segurar. E ainda fico pensando que ter um cigarro nas mãos é menos prejudicial do que ter aqui um coração. A gente nunca sabe o que fazer com um coração dado.
     Lembrei do seu jeito de me olhar, como se quisesse ver através de mim, mesmo que eu não consiga enxergar nada de você. Me senti triste, mas pelo menos algumas boas lembranças me fizeram companhia.
     Conclui, em meio a pensamentos confusos e tristes, que a minha tristeza é você, especialmente agora que nós dois sabemos que existia sentimentos de mais em jogo.
     E agora vou ficar aqui tentando me manter longe, procurando motivos pra me decepcionar ainda mais. Mas fico sempre pensando em você. E gosto de você, mesmo que seja a última coisa que eu queira fazer.
     Acordo dos meus pensamentos ao ler uma mensagem sua, e não posso evitar mais um sorriso triste ao ler suas palavras: "Sonhei com você".
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