Chamada não atendida

Ela respirou fundo, limpou a lágrima teimosa que insistia em cair, e resolveu atender. O passo mais difícil era apertar o botão verde do celular e falar Alô. Todo o resto era fácil, como sempre fora.
Ela diria um "Alô" mais desanimado do que gostaria, e ele sentiria sua preocupação mesmo do outro lado da linha. E ela riria, sem graça, e diria que ele não precisava se preocupar, que eram só bobagens daquelas que só ela conseguiria inventar para viver. Ele diria que gostaria de vê-la, e que gostaria de animá-la com alguma conversa sem sentido, como se tivesse pressentido que algo estava fora do lugar. "Seu lugar é comigo", ele diria sem ela precisar perguntar, e ela se sentiria a pessoa mais especial do mundo. "Meu lugar é na madrugada", ela responderia, querendo completar que, mesmo assim, seria bom ter a companhia dele de vez em quando.
Mas depois pensaria no quanto tudo aquilo era errado, e no quanto as coisas entre os dois nunca aconteciam do jeito certo. Mas, pensando bem, existe mesmo um jeito certo para isso? Existe o certo e o errado pra gostar de alguém? Pra dizer que se preocupa? Porque ele sempre fora o cara errado, ela não tinha dúvidas. Mas permitiu que ela vivesse sentimentos tão exatos, que ela nunca seria capaz de rejeitar-lhe um pouco de afeto, mesmo no meio de uma madrugada triste, mesmo que todo o universo conspirasse contra isso. Eles sempre gostaram de ir contra o universo. Só assim puderam viver e amar tão intensamente.
Mas agora havia novas coisas e novas pessoas e novos relacionamentos a se considerar. Apertar o botão verde e falar "Alô" foi se tornando mais difícil, mesmo que todo o resto pudesse ser fácil da maneira que só ele seria capaz de ser.
Ela respirou fundo novamente e, se libertando dos pensamentos, pegou o celular para atendê-lo. Mas a tela apagou e o celular parou de tocar.
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