Fogo!

A casa em chamas, e os dois ali sentados no meio-fio vendo tudo queimar. A fumaça subia e sujava o céu, as lágrimas desciam e sujavam o rosto. Ela o abraçou. Ele se entregou ao abraço e soluçou. A casa em chamas, e os dois ali sentados no meio-fio e agarrando-se um ao outro - porque agora eles eram tudo o que restava.
A casa queimou até acabar. Bombeiros chegaram, atrasados, e saíram para atender outras ocorrências logo depois. Vizinhos chegaram, curiosos, e voltaram para suas casas confortáveis e inteiras logo depois. E só os dois permaneceram ali sentados no meio-fio, vendo a vida queimar diante dos olhos cansados de tanto choro.
Ela queria poder dizer a ele que tudo ficaria bem; ele queria poder dizer a ela que aquilo era só um sonho de uma tarde quente. Afinal, na casa dela os dois dormiam abraçados, calorosos, quando receberam a notícia do incêndio. Correram pelas ruas até chegar à casa dele, ouviram o estalo das paredes enquanto o fogo subia, e até se arriscaram a tentar arrombar portas e janelas para tentar entrar e salvar algumas coisas. E um se agarrava ao outro, sem poder fazer coisa alguma além de esperar o fogo consumir tudo o que estava ao seu alcance.

O fogo queima, ela constatou. O fogo mata, ele completou. As horas passaram e a noite caiu e aquele meio-fio continuou sendo o abrigo dos dois. Enquanto isso, o fogo diminuía e o que antes era uma casa se mostrou uma estrutura negra e descaída, de cinzas, sem vida. Ela fechou os olhos e fez uma prece. Ele fechou os olhos e adormeceu. Os olhos dos dois ardiam, cheios de fumaça e de lágrimas. Ela passou as mãos pelos cabelos oleosos dele. Ele se aninhou no colo dela e suspirou pesado. As mãos dos dois se apertaram. Ela pediu, num sussurro, para que tudo aquilo não passasse de um sonho ruim. E ele pediu, em sonho, para que ela ainda estivesse lá quando ele acordasse. Os pensamentos se encontraram e combinaram nunca mais se separar – nunca antes eles haviam precisado tanto um do outro. Agora eles eram tudo o que restava.

Sobre escrever.

Escrever é uma fuga... mas é uma dessas em que você sai correndo sem pensar, não arruma as malas, e quando chega na rodoviária se lembra de ao menos deixar aquele clássico bilhete de despedida. Mas não tem papel ou caneta e então manda uma mensagem de texto, antes de excluir pra sempre aquele número do seu celular.
Escrever é uma daquelas fugas em que você apenas vai, mas deixa pelo caminho um punhado de fotos, palavras e saudades bonitas. O bom é não pensar, e deixar as coisas simplesmente acontecerem conforme a vontade pedir. Porque se você parar e olhar pra trás, ou baixar a cabeça e olhar pro pedaço de papel rabiscado, verá que não tem motivo para ir, do mesmo jeito que geralmente não existe motivo para escrever. É só uma fuga.

Dos contos e poemas que escrevo, acho que não tenho um preferido. Eu sempre tenho tanto a dizer – e ele ri porque eu nunca consigo encará-lo em silêncio. E às vezes eu quero falar tanto, que o único jeito é pegar o papel e a caneta e escrever. Por isso a maior parte das histórias que escrevo acaba sendo verídica. Bom, mais ou menos... O fato é que muitas dessas histórias aconteceram comigo, mas isso não quer dizer que elas sejam mesmo reais.
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