Abrigo

Isso não é sobre você. Há tempos que não pensava em te escrever, embora ainda pense no seu rosto, nos seus gostos, e faça suposições sobre a pessoa que agora você se tornou. Mas a vida real urgia e eu precisava atender aos seus chamados; por isso você foi ficando mais como nostalgia do que como lembrança. Gosto de pensar que você é um espaço mental: um amontoado de histórias, risos e amores que eu sei que já morreram mas que nem por isso deixaram de existir. E é pra você que eu corro quando a vida me sufoca ou me machuca. É em você que eu me protejo do mundo, pra onde eu fujo e me escondo até poder me reorganizar. E volto mais forte e preparada pra lidar com o que aparecer - essa é a mais valiosa habilidade entre todas as que você me ensinou. Nunca são grandes dificuldades. Você sabe, talvez melhor do que qualquer outro, que eu sou muito suscetível à dor, que me machuco e fico roxa com facilidade, e que, na vida toda, nunca aprendi a sofrer de verdade. Posso contar nos dedos de uma única mão os grandes sofrimentos - dois lutos, duas decepções. Mas você também conhece minha tendência ao drama -- é ela quem mantém, mesmo inconstante, esses escritos. Mas isso não é sobre drama. Também não é sobre você. É sobre mim tentando me refugiar em uma memória, pra dela retirar algum resquício de amor pra continuar vivendo. O chamado do real não me agrada e me leva a responsabilidades que, por hora, eu não quero assumir. E eu fujo até você, que é o abrigo de ilusões e de expectativas fantasiosas mais útil possível para me esconder de mim. Não aprendi a crescer.
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