A casa em chamas, e os dois ali sentados no meio-fio vendo tudo queimar. A fumaça subia e sujava o céu, as
lágrimas desciam e sujavam o rosto. Ela o abraçou. Ele se entregou ao abraço e
soluçou. A casa em chamas, e os dois ali sentados no meio-fio e agarrando-se
um ao outro - porque agora eles eram tudo o que restava.
A casa queimou até acabar. Bombeiros
chegaram, atrasados, e saíram para atender outras ocorrências logo depois.
Vizinhos chegaram, curiosos, e voltaram para suas casas confortáveis e inteiras
logo depois. E só os dois permaneceram ali sentados no meio-fio, vendo a vida
queimar diante dos olhos cansados de tanto choro.
Ela queria poder dizer a ele que
tudo ficaria bem; ele queria poder dizer a ela que aquilo era só um sonho de
uma tarde quente. Afinal, na casa dela os dois dormiam abraçados, calorosos, quando
receberam a notícia do incêndio. Correram pelas ruas até chegar à casa dele, ouviram
o estalo das paredes enquanto o fogo subia, e até se arriscaram a tentar
arrombar portas e janelas para tentar entrar e salvar algumas coisas. E um se
agarrava ao outro, sem poder fazer coisa alguma além de esperar o fogo consumir
tudo o que estava ao seu alcance.
O fogo queima, ela constatou. O
fogo mata, ele completou. As horas passaram e a noite caiu e aquele meio-fio
continuou sendo o abrigo dos dois. Enquanto isso, o fogo diminuía e o que antes
era uma casa se mostrou uma estrutura negra e descaída, de cinzas, sem vida.
Ela fechou os olhos e fez uma prece. Ele fechou os olhos e adormeceu. Os olhos
dos dois ardiam, cheios de fumaça e de lágrimas. Ela passou as mãos pelos cabelos
oleosos dele. Ele se aninhou no colo dela e suspirou pesado. As mãos dos dois
se apertaram. Ela pediu, num sussurro, para que tudo aquilo não passasse de um
sonho ruim. E ele pediu, em sonho, para que ela ainda estivesse lá quando ele
acordasse. Os pensamentos se encontraram e combinaram nunca mais se
separar – nunca antes eles haviam precisado tanto um do outro. Agora eles eram tudo o que restava.