Intimidade

Intimidade: s.f. Caráter do que é íntimo, secreto. Relação íntima ou de familiaridade.
A intimidade é uma possibilidade, e por isso acaba por se constituir numa busca por sentido. Ter intimidade com alguém é sentir-se em casa com essa pessoa. E “sentir-se em casa” significa sentir-se seguro para ser quem é, sem medo. Mas como buscar sentido no outro, se na maioria das vezes perdemos o sentido de nós mesmos?
Intimidade é habilidade, é construção de sentido, é profundidade. Mas como viver a intimidade, se somos forçados e aparentemente queremos viver sempre nas beiradas, na superfície do efêmero?
Só há fluxo, só há movimento e velocidade que arrastam tudo o que veem pela frente. Não possuímos casa, não podemos nos segurar, apenas nos deixamos levar por uma correnteza de inconstâncias e de inconsistências. Somos todos autores, e também atores e personagens. Como num ensaio sem direção, cada um pode ser o que quiser, ao mesmo tempo em que pode querer ser coisa nenhuma. E pode-se querer tudo, ou nada, ou uma coisa a cada instante, até que aquele instante se acabe. Vivemos como descartáveis, e por isso julgamos não precisar nos fixar nem nos identificar, porque tudo está à disposição.
A memória é digital. O sorriso, mecânico. E vou parar por aqui porque dói descrever a automação e a superficialidade dos relacionamentos humanos.
É mais fácil desabafar ou tentar retratar-se com um desconhecido, assinar um cheque no final da sessão, e não precisar voltar se por acaso o Zé disser algo desagradável. Afinal, é só um zé, que nos depoimentos do Orkut eu ainda chamo de amigo, mas que por acaso eu encontrei e que estava a disposição para me ouvir. Mas só naquele instante. Não precisarei ouvi-lo depois, nem dividir as minhas angústias e sentimentos mais profundos. Posso ir embora, sem traumas, quando eu quiser.
Porque é mais fácil ser superficial.
Tão ocupados em atingir as metas e os resultados que esquecem-se de dedicar tempo, dinheiro, paciência e o que mais for necessário para construir relações humanas duradouras e profundas. Fazemos dos outros objetos descartáveis, porque nós mesmos não nos encontramos, não sabemos o que queremos, e dizemos querer tudo, e buscamos que outros nos encontrem, nos devolvam para nós e nos deixem, e sejam deixados. É preciso sempre seguir em frente, e quem resolve ficar é sempre deixado para trás.
Vivemos em rios de inconsistências e de falta de sentido, e ninguém quer buscar o que é profundo, porque tem medo de se afogar.

Texto originalmente publicado em: https://www.facebook.com/cacpaes/posts/675862345841388

Sobre ela...

Acho que foi Veríssimo quem disse que: "um homem fazendo a barba na frente do espelho está num momento crucial da sua existência". E assim eu encaro minha imagem enquanto seguro a gilete, pensando sobre as opções. A barba não é apenas um amontoado de pelo que esconde parte do meu rosto... ela é parte de mim. E é também um ritual de passagem: quando um garoto apresenta seus primeiros pelos, mostra ao mundo que está se tornando um adulto. E isso fica implícito em todos os gestos e todas as escolhas que ele fizer depois.
Perdido nesses pensamentos, me lembro de quando reparei nEla pela primeira vez: estávamos em uma festa e Ela transpirava liberdade, e quando eu me aproximei ela voou pra longe de mim. E me sorriu. E cada vez que Ela fugia Ela me sorria ainda mais. Me encantei. Tão menina, tão mulher... E eu apenas eu. Quando me aproximei no fim da noite, trocamos alguns passos pela pista e eu descobri que era com Ela que eu queria dançar pra sempre. Mas Ela só me sorriu, e sem corresponder ao meu desejo, se despediu me chamando de “menino”, com quem diz que eu ainda tinha muito para aprender e viver. Mas eu queria viver com Ela... Depois daquele dia, deixei a barba crescer.
E essa barba não é um monte de pelos que eu carrego no rosto... é uma parte de mim. Como que para mostrar pra Ela que eu não sou mais tão menino, que eu posso ser um homem pra Ela também. Que Ela pode aprender comigo tanto quanto Ela, mesmo sem saber, me ensinou. E foi quando Ela voou pra perto de mim.
E olhou nos meus olhos, acariciou meu rosto e meu corpo, se aninhou nos meus braços e dormiu... Parecia um passarinho quando encontra um ninho pra pousar. Ela pousou em mim.

Ela ficou e a barba ficou com Ela, pra Ela. Acho que Ela nem sabe, mas essa barba só cresceu aqui porque Ela mesma só fazia crescer dentro de mim; porque algo nEla me pedia, mesmo sem voz, para que eu a deixasse lá, para que eu não fosse só um menino, mas um homem com quem Ela gostava de estar. E eu quis crescer e quis aprender com Ela. E quis ensinar-lhe tantas coisas também...!
Vez ou outra eu acordava de madrugada e encontrava os cabelos dEla caídos pelo meu peito, sua respiração tranquila como de quem encontra um porto seguro. E meu coração parecia querer explodir, explodir na calmaria que Ela representava e também no amor e na liberdade que Ela transpirava quando estava em cima de mim.
Mas Ela é um passarinho, e meu ninho talvez não fosse tão seguro assim... Eu ainda sou um menino. E Ela voou de novo, sempre sorrindo, pra longe de mim.
Como bem disse Veríssimo, fazer a barba na frente do espelho nos traz algumas reflexões sobre a existência. A minha, sem Ela, ainda é um pouco dolorosa de se encarar.  É como se faltasse algo em mim. E faltava Ela. E era Ela quem me doía. E assim eu encaro minha imagem enquanto seguro a gilete, pensando em como eu posso atingi-la, e dessa vez me sinto mais seguro quanto às opções. Resolvo retirar esses pelos que me cobrem parcialmente o rosto. Mas é dEla que eu quero me livrar.
Real Time Web Analytics